Michael Horton
“Eu o parabenizo, Erasmus, porque
você sozinho, ao contrário dos outros, atacou a coisa certa, isto é, o problema
essencial. Você não me tem entediado com aquelas divagações sobre papado,
purgatório, indulgências e coisas assim – tolices em vez de problemas... Você,
e só você tem visto o ponto para onde tudo converge, e direcionado para um foco
de vida”.
Sempre que pensamos sobre nossas
diferenças com Roma, nós nos voltamos para a veneração de imagens, a
infalibilidade papal, o papel mediador assegurado aos santos, principalmente à
Virgem Maria. E ainda, como Lutero combateu, o ponto chave na Reforma era sobre
a questão: “Quem salva quem?”, “A Escravidão da Vontade” de Lutero foi a
resposta a “Liberdade da Vontade” de Erasmus e estabeleceu o debate da reforma
sobre o livre-arbítrio e a eleição, de uma forma mais veemente.
Desiderius Erasmus (1466-1536),
um humanista holandês, foi uma das mais brilhantes luzes da Renascença. Como
muitos humanistas da Renascença (humanismo no sentido clássico é um bom termo,
não pode ser confundido com humanismo secular), ele foi cínico com relação à
hipocrisia, extravagância, intolerância e irrelevância espiritual da igreja.
Muitos evangélicos hoje poderiam
ler Erasmus com proveito, especialmente considerando que muitos problemas têm
reaparecido. Contudo, Lutero estava insatisfeito, não meramente com a desordem
da sala e a colocação da mobília, mas com a mobília propriamente dita.
Erasmus estava convencido de que
discussão sobre coisas como livre-arbítrio e predestinação “deveriam ficar
longe dos ouvidos comuns”. Afinal, todos sabemos “quão grande é a apatia da
humanidade em buscar a bondade divina” e tudo leva a crer que a eleição minará
a responsabilidade humana, insistiu Erasmus. Lutero por outro lado disse: “O
Espírito Santo não é cético”, argumentando que a Bíblia é clara nas coisas
essenciais e que cada crente é obrigado a entender o que Deus revelou. “Se nós
não conhecemos estas coisas”, Lutero declarou “não podemos saber nada sobre as
coisas cristãs e seremos piores que qualquer pagão”. A partir do ponto em que
Deus claramente se direcionou para a questão da eleição e do livre-arbítrio,
Lutero disse, “não é irreverente, inquisitivo ou supérfluo, mas essencialmente
salutar e necessário para um cristão perceber se a vontade faz algo ou nada em
questões pertinentes a salvação eterna”.
Este debate não é para aqueles de
estômagos fracos. O Reformador alemão não tinha tempo para os “Epicureus
amantes da paz” que amavam suas próprias polidez, razão, experiência, mais do
que a verdade. Na base critica de Lutero está a sua convicção de que a teologia
de Erasmus é centrada no humano. Assim como disse J. B. Philips a uma geração
recente, “seu Deus é muito pequeno”, então Lutero disse a Erasmus, “suas idéias
sobre Deus são todas muito humanas”.
Erasmus quis encontrar o meio
termo entre dizer, de um lado, que Deus nos salva sem a nossa cooperação, e do
outro lado, que nós nos salvamos (a nós mesmos). Um lado importa-se com a graça;
o outro, com a natureza. Assim, Erasmus propôs uma posição mediadora conhecida
como “cooperação” (lit. “trabalhar junto”): Deus ofereceu a redenção; o homem
deve cooperar com a graça exercitando seu livre-arbítrio. Conhecido (e
condenado) antes de Erasmus como semi-pelagianismo, e mais tarde ainda como
arminianismo, isto não foi visto como uma solução bíblica do ponto de vista de
Lutero. As Escrituras ensinam claramente, ele insistiu, os seres humanos nascem
espiritualmente mortos, incapazes de responderem a Deus favoravelmente por sua
própria “vontade”, pois esta vontade é escrava do pecado. Não é como se a
vontade do incrédulo fosse inativa, todavia, é febrilmente ativa em rejeitar a
palavra de Deus que a alma perdida considera bobagem.
Portanto, o que o incrédulo
requer não é mera excitação da vontade nem o chamar pela fé e obediência, mas o
sobrenatural ato da graça no qual Deus transpõe todos os obstáculos e muda o
rebelde pecador em direção a Ele, oferecendo-lhe a dádiva da fé salvadora.
A “Escravidão da Vontade” (Nascido
Escravo – Editora Fiel) foi minha introdução á Reforma. Como um jovem
estive lutando para entender as grandes verdades da Epístola de Paulo aos
Romanos, um amigo da família passou adiante a sugestão e eu pequei uma cópia. E
nunca esquecerei o senso de relevância que experimentei quando este debate
alcançou as mesmas questões que eu vinha perguntando – e ouvido perguntar –
sobre o assunto.
Porque “A Escravidão da Vontade”
foi escrito no calor da batalha, e contém toda aquela tendência polêmica que
alguém espera de Lutero naquela época.
Mas o que o leitor irá encontrar
de mais intrigante é a contemporaneidade deste debate, pois os argumentos de
ambos os lados nunca mudaram.
Uma vez que admitamos a
cooperação do homem na conversão e justificação no lado mais estreito, não
haverá paz de consciência. A questão sempre será: Quanto eu tenho que fazer? É
por isso que Lutero responde: “Se, contudo, nós somos ensinados, e se cremos,
que não precisamos saber estas coisas, a fé cristã é completamente destruída e
as promessas de Deus e toda a sua palavra caem por terra; o maior e único
consolo e certeza para os cristãos na adversidade é que... Deus faz todas as
coisas imutavelmente e que sua vontade não poderá ser resistida, mudada ou
impedida”.
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