Autor: J.C. Ryle
Extraído do livrete “Que é a
Igreja?” publicado pela Cultura Cristã - CEP-IPB
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“Grande
é este mistério: digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja” (Ef.5:32)
Não
há assunto algum, em matéria de religião, que seja tão mal entendido como este:
A Igreja.
Provavelmente,
nada há que tenha feito tanto mal aos cristãos professos, como o mal entendido
a respeito deste ponto.
Não
há palavra que tenha sido usada com tanta variedade de sentidos, como a palavra
“Igreja”. É palavra que ouvimos constantemente, e não podemos deixar de
observar que as pessoas a empregam em sentidos diferentes. O inglês bem
educado, quando fala de “Igrejá”, que quer ele dizer? Geralmente se refere à
igreja episcopal estabelecida em seu país. O católico romano, quando fala em
“Igreja”, que quer ele significar? Quer dizer igreja romana, acrescentando que
não há igreja verdadeira no mundo, além dela, e tantos outros que querem eles
dizer? Uns querem dizer o edifício em que prestam culto a Deus , aos domingos;
outros referem-se ao clero, pois quando alguém é ordenado costuma-se dizer que
“entrou para a Igreja”; outros têm vagas idéias a respeito do que costuma
chamar de sucessão apostólica, dando a entender com isto, misteriosamente, que
a igreja é composta de cristãos governados unicamente por bispos.
Não
há o que dizer contra tudo isso. São fatos presentes e notórios, e todos eles
concorrem para explicar a asserção que fizemos no início destas considerações:
não há assunto tão mal entendido como o que trata da “Igreja”.
Leitor,
creio que, presentemente, é da maior importância ter idéias claras a respeito
da “Igreja”. Creio que a falta da correta compreensão deste assunto é uma das
grandes causas dos erros religiosos em que muitos caem. Desejo chamar a sua
atenção para aquele grande e principal sentido em que a palavra “Igreja” é
empregada no Novo Testamento.
Quero
dissipar a névoa em que este assunto está envolvido. Com verdade falou o bispo
Jewell, o reformador, quando disse: “Os inimigos da verdade ensinam muita
doutrina falsa debaixo do nome da Santa Igreja, porque nunca houve nada até
hoje tão absurdo ou tão perverso, que não fosse fácil defender sob o nome da
Igreja”.
Deixe-me
então mostrar-lhe, em primeiro lugar, qual é a verdadeira Igreja fora da qual
ninguém pode salvar-se.
Há,
realmente, uma igreja fora da qual não há salvação, uma igreja a que o homem
deve pertencer se não quiser perder-se por toda a eternidade. Exponho-lhe isto
sem hesitação ou reserva. Digo-o com tanta confiança e certeza, como o mais
forte defensor da igreja romana o pode fazer. Mas, qual é esta Igreja? Onde
está ela? Por que sinais esta igreja deve ser conhecida? Eis uma grande
questão!
A
verdadeira Igreja está bem descrita no serviço de comunhão da Igreja da Inglaterra,
“como o corpo místico de Cristo, que é a companhia bendita de todo o povo
fiel”. É composta de todos os crentes em Jesus Cristo. É formada por todos os
eleitos de Deus, por todos os homens e mulheres convertidos – por todos os
verdadeiros cristãos nos quais podemos distinguir a eleição de Deus, o Pai, a
purificação pelo sangue de Deus, o Filho, e a santificação de Deus, o Espírito.
Em tais pessoas podemos ver os membros da verdadeira Igreja de Cristo.
É
uma Igreja em que todos os membros têm os mesmos sinais. São todos renascidos
do Espírito Santo. Todos devem ter “arrependimento para com Deus , fé em nosso
Senhor Jesus Cristo e santidade de vida e de conversação”. Todos odeiam o
pecado e amam a Cristo. Adoram a Deus... todos com o coração igualmente sincero.
São todos guiados pelo mesmo Espírito; todos edificam sobre o mesmo alicerce;
todos tiram a sua religião do mesmo único livro; todos se reúnem no mesmo
centro - que é Cristo! Todos podem, mesmo já, dizer: Aleluia! E podem responder
com um coração igualmente crente e uma voz unânime: “Amém, amém”.
É
uma Igreja que não depende dos ministros cá da terra, ainda que aprecie muito
aqueles que pregam o evangelho. A vida espiritual de seus membros não depende
do fato de se filiarem a uma igreja, nem depende do Batismo e Ceia do Senhor,
não obstante darem grande valor a estes Sacramentos cada vez que são
celebrados.
Mas
esta Igreja tem um Cabeça principal, um Pastor, um Bispo, que é Jesus Cristo.
Só Ele, pelo seu Espírito, admite os membros desta Igreja, ainda que são os
ministros que mostram a porta. Enquanto Ele não abrir a porta, ninguém aqui no
mundo pode abri-la; nem bispos, nem presbíteros, nem reuniões, nem sínodos e
nem concílios. Quando o homem se arrepende e crê no Evangelho, nesse mesmo
momento torna-se membro desta Igreja. Como o ladrão arrependido, pode não ter
ocasião de ser batizado, mas tem aquilo que é muito melhor do que o batismo da
água: o batismo do Espírito Santo. Talvez não possa receber o pão e o vinho na
Ceia do Senhor, mas pode, por meio da fé, alimentar-se de Cristo todos os dias
de sua vida, e nenhum ministro, na terra, pode privá-lo disto. Ele pode, por
injustiça, ser excluído por aqueles que são ordenados, e privado dos
privilégios da Igreja. Porém, nem todos os sacerdotes do mundo inteiro podem
exclui-lo da verdadeira Igreja. A existência desta Igreja não depende de formas
nem de cerimônias, de catedrais ou templos, de púlpitos ou pias batismais, de
vestimentas ou órgãos, de dotes, dinheiro, reis, governos, magistrados, de ato ou
favor, qualquer que seja, da mão do homem. Ela sempre permaneceu, quando tudo
isto lhe foi tirado. Foi muitas vezes lançada no deserto ou em covas e cavernas
da terra, por aqueles que deveriam ser seus amigos. Mas a sua existência não
depende de coisa alguma, além da presença de Cristo e de seu Espírito e,
enquanto estes nela permanecerem, a Igreja não pode deixar de existir.
Esta
é a Igreja a que especialmente pertencem, por direito, as honras e privilégios
presentes e as promessas da glória futura. Este é o Corpo de Cristo, a Esposa
do Cordeiro, o Rebanho de Cristo, os domésticos da fé e a família de Deus. Esta
que é o edifício de Deus, a fundação de Deus e o Templo do Espírito Santo. Esta
é a Igreja dos primogênitos cujos nomes estão escritos no céu. Ela é a “a
geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido”; é a luz o
mundo, o sal e o pão da terra. Esta é a Santa Igreja Católica (universal) de
que fala o Credo dos Apóstolos. Esta é única Igreja católica e apostólica do
Credo de Nicéia.
Foi
a esta igreja que Cristo fez a promessa de que as “portas do inferno” não
prevaleceriam contra ela. Foi a ela também que Ele disse: “Eis que estarei
convosco todos os dias até a consumação dos séculos”. Esta é a única Igreja que
possui a verdadeira união. Seus membros estão perfeitamente de acordo com os
pontos mais importantes da religião, porque são todos ensinados pelo mesmo
Espírito a respeito de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, do pecado e de seus
corações. O mesmo Espírito os ensina a respeito da fé, do arrependimento, da
necessidade de santificação, do valor da Bíblia, da importância da oração, da
ressurreição e do julgamento futuro. Eles compreendem todos estes pontos do
mesmo modo. Convidaí três ou quatro deles, dos países mais remotos da terra,
completamente estranhos uns aos outros, e examinai-os separadamente sobre estes
pontos, e achá-los-eis todos de perfeito acordo.
Esta
é a única Igreja que possui verdadeira santidade. Seus membros são todos
santos. Santos não meramente por terem professado a religião, ou santos no
nome, ou no sentido de exercerem a caridade. Mas santos em ações e obras, em
vida, realidade e verdade. São todos, mais ou menos, semelhantes ao grade
Chefe.
Esta
é a única Igreja verdadeiramente católica. Não a Igreja de uma certa nação ou
povo. Seus membros encontram-se por toda a parte, no mundo onde o Evangelho é
recebido e crido. Não se encerra dentro dos limites de qualquer país, em formas
particulares ou em regras de governo.
Nesta
Igreja não há diferença entre judeu e grego, preto e branco, episcopal e
presbiteriano, mas a fé em Jesus Cristo é que é tudo. Seus membros virão
reunir-se do norte, do sul, do oriente e do ocidente, no último dia e serão de
todas as nações, nomes e reinos, povos e línguas, mas todos serão um em Jesus
Cristo.
Esta
é a única Igreja verdadeiramente apostólica, pois foi edificada sobre o
fundamento dos apóstolos e guarda a doutrina que eles pregaram. Os dois grandes
pontos que seus membros conservam sempre diante dos olhos, são a fé apostólica
e a prática apostólica. E a todo homem que fala em seguir os apóstolos, sem
possuir estas duas coisas, consideram eles como o metal que soa ou o sino que
tine.
Esta
e a única Igreja que, certamente, há de existir até o fim. Coisa alguma poderá
arruiná-la ou destruí-la. Seus membros podem ser perseguidos, oprimidos,
encarcerados, açoitados, degolados ou queimados, mas a verdadeira Igreja nunca
se extinguirá. Sai de suas aflições, e vive como que através do fogo e da água.
Quando esmagada numa terra, floresce noutra. Os faraós, os Herodes, os Neros,
os Julianos, os Dioclecianos, Maria - a sanguinária, Carlos IX, em fim, todos
trabalharam em vão para destruí-la. Mataram milhares, mas também eles
desapareceram da face da terra. A verdadeira Igreja, no entanto, sobreviveu.
Assistiu ao sepultamento de cada um deles. É, na verdade, uma bigorna que tem
quebrado muitos martelos neste mundo. É uma sarça que arde e, contudo, não se
consome.
Esta
é a única Igreja da qual nenhum membro pode perecer. Os pecadores alistados no
rol desta Igreja serão eternamente salvos e nunca serão lançados fora.
A
eleição de Deus, o Pai; a contínua intercessão de Deus, o Filho; a diária
renovação e santificação de Deus, o Espírito Santo, cercam e guardam os salvos
como num jardim fechado. Nem um só osso do Corpo Místico de Cristo será
quebrado. Nem um só cordeiro do rebanho de Cristo será arrancado de Suas mãos.
Esta é a Igreja que continua a obra de Deus sobre a terra. Seus membros são um
pequeno rebanho, pouco em número, comparativamente com o povo do mundo: um ou
dois aqui; dois ou três ali; uns nesta paróquia; outros naquela além. Mas são
estes que abalam o Universo. São estes que removem reinos com suas orações. São
estes os membros ativos que espalham o conhecimento da religião pura e sem
mácula. Eles que são a conservação do país - o escudo, a defesa, o esteio e a
segurança da nação a que pertencem!
Esta
é a Igreja que há de ser verdadeiramente gloriosa no último dia. Quando todas
as glórias terrestres desaparecerem, então esta Igreja será apresentada sem
mácula diante do trono de Deus, Pai. Tronos, principados, poderes da terra,
tudo será desfeito. Dignidades, empregos e riquezas desaparecerão. Mas a Igreja
do Primogênito brilhará no último dia como as estrelas, e será apresentada com
júbilo diante do trono do Pai, no dia em que Cristo aparecer. Quando as jóias
do Senhor forem reunidas e tiver lugar a manifestação dos filhos de Deus, não
se falará nem em episcopais, nem presbiterianos. Uma única Igreja será nomeada:
A Igreja dos Eleitos!
É
para esta Igreja que o verdadeiro ministro do Evangelho de Jesus Cristo
principalmente trabalha. De que serve ao verdadeiro ministro que se encha a
casa onde ele prega? De que serve a ele ver crescer o número de comungantes ou
aumentar a congregação? Tudo isto é nada! O que ele deseja é ver homens e
mulheres renascidos, almas convertidas e sujeitas a Cristo! O que ele quer, é
ver uns aqui, outros ali, retirando-se do mundo, tomando a sua cruz e seguindo
a Cristo e, desta forma, aumentando o número de membros da verdadeira Igreja.
Leitor,
esta é a Igreja a que o homem deve pertencer, se quer ser salvo. Enquanto você
não pertencer a esta Igreja, não será mais do que uma alma perdida. Você poderá
ter a aparência de religioso, isto é, poderá ser religioso na casca, na pele e,
contudo, não ter obtido a substância da vida. Sim! Você poderá ter inumeráveis
privilégios, poderá gozar dos benefícios da luz e do conhecimento, poderá ter
grandes oportunidades! Mas, se não pertencer de fato ao Corpo de Cristo, nada
disto o salvará! Ai de nós, por causa da ignorância que existe sobre este
ponto! O homem imagina que pertencendo a esta ou àquela igreja – e tornando-se
comungante em qualquer delas, observando certas fórmulas -, tudo estará bem com
relação a sua alma. Isto é uma total ilusão e grande erro! Nem todos os que
tinham o nome de Israel eram israelitas; nem todos os que professam ser
cristãos, são membros do Corpo de Cristo! Preste atenção: Você pode ser um
firme episcopal, presbiteriano, independente, batista e, contudo, não pertencer
à verdadeira Igreja. Se é assim, seria melhor que você nunca houvesse nascido!
Nota
sobre o Autor: J.C. Ryle, foi um bispo anglicano contemporâneo ao grande
pregador Charles Haddon Spurgeon e que desponta como um dos mais eminentes
representantes da fé genuína no século passado com pregações bíblicas e estudos
reconhecidos por todo o mundo onde se encontra a verdadeira Igreja de Cristo.
“Em sua época ele era famoso, notável e amado como campeão e expositor da
reformada fé evangélica. O bispo Ryle fartou-se profundamente das fontes dos
grandes escritores puritanos clássicos do século XVII. De fato, seria apenas
falar com precisão se disséssemos que seus livros destilam a verdadeira
teologia puritana, apresentada sob uma forma moderna e de fácil leitura”
(D.M.Lloyd-Jones)
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