Autor: D.M. Lloyd-Jones
* * *
“E
vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espirito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamos nos
desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também.” - Efésios 2:1-3
Em
nossos estudos anteriores vimos que o primeiro princípio do apóstolo é que não
poderemos entender a grandeza do poder da salvação de Deus enquanto não
compreendermos que, por natureza, o homem está espiritualmente morto. Além
disso, temos que captar o fato de que ele é governado por este mundo e pela
mente deste mundo, que é governado pelo princípio do mal que está operando
neste mundo e que, por sua vez, é governado pelo “príncipe das potestades do
ar”, aquele .grande chefe, o diabo, satanás, o deus deste mundo, que exerce
controle sobre todos os poderes e forças que dirigem e governam os homens e
determinam o tipo de vida que o homem leva neste mundo. Esse é o estado, a
condição.
Como
é vital que compreendamos isto ! Vital não somente do ponto de vista do entendimento
do evangelho, mas certamente, num sentido muito prático, absolutamente
essencial para o entendimento dos tempos nos quais vivemos, internacionalmente
e também num sentido nacional. Nada é tão fátuo como a idéia de que a doutrina
cristã é afastada da vida. Não existe nada mais prático, e o mundo está hoje em
suas atuais condições de desordem porque os homens não querem reconhecer a
veracidade daquilo que a Bíblia ensina sobre o homem. Observem a situação
industrial, e mesmo a financeira. Qual é o problema? Bem, o que nos dizem é que
a produção não é tão alta como deveria ser. Por que não é? Essa é a questão.
Por que não estamos produzindo mais? E a resposta é, obviamente, que não estamos
produzindo mais porque o homem se encontra num estado de pecado. Vocês notam
que digo “o homem”, não “os homens”. Digo “o homem” para incluir todos os
homens. Não estamos produzindo quanto deveríamos produzir porque os
empregadores e os empregados estão ampliando cada vez mais a sua idéia quanto à
extensão do fim de semana. Isto aplica-se a todos. Se um homem tem direito de
alargar o seu fim de semana, o outro tem igual direito. E todos, porque se
acham em pecado e egoísmo, como vou mostrar-lhes, estão agindo assim. Daí o
nosso maior problema no momento. “Donde vêm as guerras e pelejas entre vós?”,
pergunta Tiago, e responde a sua própria pergunta. Elas vêm “dos vossos deleites
que nos vossos membros guerreiam” (4:1). E a tragédia é que o mundo e os seus
líderes e os seus estadistas, porque não reconhecem o ensino das Escrituras,
acham que podem explicar isso noutros termos. Os diversos grupos se culpam uns
aos outros, e os diversos países se culpam uns aos outros, não percebendo que
todos eles estão juntos no pecado; e enquanto estiverem em pecado e forem
egocêntricos e egoístas, só terão em conta a si mesmos, e o mundo continuará
com seus problemas. Assim vocês vêem que esta doutrina bíblica do pecado é a
coisa mais prática do mundo; e, não obstante, as pessoas a deixam de lado com
desdém, e é pena, porém nisto se incluem até mesmos os cristãos. Quão distante
do ensino bíblico está a comuníssima idéia de que o cristianismo é simplesmente
uma coleção de numerosas máximas de moral, e que deve ir à igreja aos domingos
apenas para receber algum encorajamento, para que lhe digam qual é o seu dever
e que você é bom se o pratica, e nada mais. Isso nem é o começo do estudo do
verdadeiro problema. Antes de podermos ter a mínima possibilidade de
compreender a verdadeira natureza do problema, temos de entender o que é o
homem no estado de pecado. Só então veremos claramente que nada, senão a
renovação espiritual e a ação do Espírito Santo, têm possibilidade de lidar com
a situação e de nos livrar em todos os aspectos. É por estas razões, pois, que
estamos considerando este ensino.
Portanto,
havendo examinado o homem em seu verdadeiro estado e condição, chegamos ao
segundo ponto, que é a explicação da sua condição. Por que o homem se acha
nessas condições? O que o levou a isso? Qual a explicação? O apóstolo responde
com uma série de expressões e palavras que ele usa nestes três versículos.
Vamos examiná-las. A primeira expressão importante é: “filhos da
desobediência”. “Em que noutro tempo”, diz ele, “andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filhos da desobediência.” Que expressão significativa e importante! Que significa?
Não significa apenas crianças ou filhos desobedientes. Esta é uma expressão
bíblica deveras característica. Vocês encontrarão expressões semelhantes em
muitos lugares. Vocês recordam como um dia o nosso Senhor voltou-Se para os
judeus e lhes disse: “Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os
desejos de vosso pai” (João 8:44). Também se lembram de como, no Velho
Testamento, muitas vezes vêem que certos ímpios são tratados como “filhos de
Belial”, ou por outra expressão semelhante. Devemos, pois, considerar a
expressão como dizendo que a desobediência é a origem deste caráter distintivo.
Somos filhos da desobediência no sentido de que é a desobediência que nos leva
a sermos exatamente o que somos. Pois bem, é isso que o apóstolo está
ressaltando aqui.
É
sempre esse o ponto essencial da explicação bíblica sobre por que o homem é
assim. O problema primário, essencial, é a desobediência. Foi isso que levou a
todos os nossos problemas e desgraças. Noutras palavras, trata-se da nossa
relação com Deus. E vocês notam que a ênfase é que o pecado não é meramente
negativo, não é meramente ausência de qualidades, não é meramente ausência de
alguma coisa; é positivo, é ativo, á deliberado. É des-obediência, é fuga da
obediência, é questionar o direito que Deus tem de exercer o comando sobre nós,
noutras palavras, é rebelião. E é isso que a Bíblia nos diz sobre o homem, do
começo ao fim. O homem não é simplesmente uma pobre criatura que nunca teve
chance e para com quem, portanto, vocês devem ser muito compassivos e muito
tolerantes. Essa é a idéia moderna, vocês sabem. A doutrina bíblica do pecado
saiu realmente do pensamento dos homens há uns sessenta ou setenta anos, e a
psicologia entrou em seu lugar. É por isso disciplina e a punição
desapareceram. A idéia agora é que, na verdade, todos nós somos,
essencialmente, muito bons, e o problema é que nunca nos foi dada uma chance. O
que necessitamos, dizem, é encorajamento. Não acreditamos na lei e nas sanções
morais. Isso é considerado duro e cruel. O resultado disso tudo é a bancarrota
da disciplina em todos os departamentos da vida- no lar, na escola, nas ruas,
na industria, no comercio, em toda parte. Vocês vêem como esta doutrina é
vital! A Bíblia ensina que os nossos problemas decorrem todos da desobediência
inicial; que o homem é um rebelde contra Deus e deliberadamente se rebela
contra Deus. E, naturalmente, isso tudo provém do seu amor próprio. É a
auto-afirmação do homem, o posicionamento do homem contra Deus, o seu desejo de
ser deus.
Isto
se desenvolve ao longo de três linhas principais. Obviamente, a primeira é que
o homem nega a sua condição de criatura. Ele se opõe a isso. O homem não gosta
da idéia de que ele é uma criatura feita e criada por Deus. Ele acha que esta
idéia de ser ele uma criatura é um insulto a ele, algo que o diminui e que
diminui a sua grandeza e glória essencial.
Ele
não gosta da idéia de que há alguém acima dele, mesmo Deus. Ele gosta de pensar
que o homem é supremo, está acima de todas as coisas, e pode olhar de cima para
todas as coisas. Esse é o coração e o cerne da objeção do homem a Deus e da sua
oposição a Deus. O homem se ofende por natureza com a idéia de que existe algo
ou alguém que ele não pode abarcar com a sua mente; e quando se lhe diz que ele
é tão-somente uma criatura e que a sua atitude para com o Criador, o Senhor
Deus Todo-poderoso, deveria ser a de humilhar-se e cair sobre o seu rosto
diante de Deus, ele se opõe a isso. Acha que é um insulto, e afirma que não é
uma criatura, e que além dele não existe nada. Daí vocês têm o ateísmo do homem
moderno, a sua objeção a Deus e a sua negação de Deus. Isso tudo surge do fato
de que ele se opõe a esta idéia de que ele é uma criatura, de que ele é alguém
que Deus fez, criou e modelou para Si.
Outra
maneira pela qual isto se manifesta - e obviamente decorre da primeira - é que
o homem sempre quer afirmar a sua auto-suficiência pessoal. Ele acredita que
ele próprio é suficiente. É evidente que a Bíblia diz exatamente o oposto - que
não somente o homem foi feito por Deus e para Deus, mas também que ele é
dependente de Deus, e que só pode ser feliz quando está em harmonia com Deus e
quando obedece a Deus. Toda a concepção bíblica do homem é que, assim, ele se
acha num estado de completa dependência de Deus e que o seu bem-estar depende
da sua compreensão disso e de praticá-lo. Todavia, é claro que isso contraria o
que o homem sempre achou de si mesmo. Ele sempre achou que é auto-suficiente,
que tem os poderes necessários e que só precisa pô-los em exercício para fazer
um mundo perfeito e uma vida perfeita para si . Ele se acha competente para
comandar os seus interesses da maneira certa, e que não necessita de ajuda nem
de assistência.
Por
isso não há nada que ofenda tanto o homem natural como o evangelho que lhe diz
que ele é salvo unicamente pela graça de Deus que ele, como um mendigo, tem que
aceitar como uma dádiva gratuita. Diz ele: não afundei tanto assim, não sou
perfeito, talvez, mas não sou um mendigo, há algo que eu possa fazer e que sou
capaz de fazer. É a doutrina da graça que o homem odeia mais que tudo. Essa é
“a ofensa” ou “o escândalo da cruz”; e isso continua existindo porque o homem
acredita em sua auto-suficiência, em sua capacidade, em seu poder inerente.
Essa é uma expressão da sua desobediência. Ele não quer aceitar a graça, não
quer acreditar nela, rebela-se contra ela e luta contra ela.
Ou
talvez possamos explicar isso da seguinte maneira: é a afirmação que o homem
faz da sua autonomia, da sua independência de Deus. O homem autônomo é o que se
pensa do homem que todos os modos pode gerir todos os seus interesses e que não
precisa de ajuda nem de assistência de parte alguma, nem mesmo de Deus ! O
homem autônomo , o homem auto-suficiente, o homem auto-determinativo, o homem
independente, o homem como deus, o homem como o senhor do universo, o homem no
trono e sobre um pedestal!
Certamente
todos hão de reconhecer que isso nada mais é que uma descrição do homem como
ele é fora da fé cristã. Ele é completamente desobediente, e se orgulha disso
com arrogância. Ele promove a sua personalidade e a sua auto-suficiência. É
essencial forçar a questão a esse ponto. A desobediência, como eu disse, é
ativa, ativa até igualar-se à inimizade. Se não compreendermos isso, é sinal
que ainda não entendemos esta doutrina. Portanto, deixem-me interpretar o que o
apóstolo diz aqui com o que ele diz na Epístola aos Romanos, capítulo oito,
versículo sete: “A inclinação da carne”, diz ele, “é inimizade contra Deus,
pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser”. Que declaração!
E que importante adendo! O homem desobedece por que está em inimizade contra
Deus; odeia a Deus. Ah, mas, vocês dirão, conheço muitos que não são cristãos,
porém que dizem que crêem em Deus. Não, não crêem! Crêem numa ficção, num
produto da sua imaginação; eles não crêem em Deus. Se cressem em Deus, creriam
em seu Cristo, como o nosso Senhor mesmo argumenta em João 8:30-45. Mas não
crêem. Crêem simplesmente no que eles pensam e imaginam que Deus é, no deus que
eles próprios fabricaram. Isso não é Deus! “A inclinação da carne é inimizade
contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser.”
Isso
é importante, nesse sentido, que mostra que o homem, em conseqüência do pecado,
em conseqüência de ser ele dominado pelo diabo e pelo princípio que este
introduziu, e pela mente deste mundo, acha-se em tal estado e condição que ele
não pode obedecer a Deus. É isso que o grande Martinho Lutero chamava
“escravidão da vontade”. Contudo, para o homem em pecado e para o homem
moderno, que doutrina odiosa! “A escravidão da vontade!” A minha vontade é
livre, diz o homem. O homem gosta de pensar que é absolutamente livre para
escolher o que quiser, que ele pode escolher servir a Deus, se o desejar; que
pode escolher ser cristão, se assim for o seu desejo. A afirmação da vontade do
homem, do livre-arbítrio, é a ordem do dia. Mas a Bíblia fala em “filhos da
desobediência”; e “Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos
de vosso pai”. Diz o nosso Senhor que você é incapaz. O homem natural não é
sujeito “à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” - ele é incapaz disso.
Desde a queda de Adão, isso de livre-arbítrio, de vontade livre quanto a
obedecer a Deus, não existe. Adão tinha livre-arbítrio; nunca mais ninguém o
teve. A liberdade de vontade perdeu-se na Queda; nesta o homem passou a ser
escravo do pecado e a estar sob o domínio do diabo. Sua vontade está presa. “Se
ainda o nosso evangelho está encoberto”, diz o apóstolo aos Coríntios (II
Coríntios 4:3 e 4) “para os que se perdem está encoberto. Nos quais o deus
deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”, para que não creiam no
glorioso evangelho de Cristo. O diabo não os deixa crer. “O valente guarda,
armado, a sua casa, em segurança. ..” (Lucas 11:21 ). Essa é a condição do
homem sob o domínio do diabo; ele não é livre. Não é livre para não pecar.
“Filhos da desobediência”! “Nem, em verdade, o pode ser”! É incapaz disso. Tal
a profundidade em que o homem afundou em pecado. E, contudo, é aí que entra o
paradoxo, por assim dizer. Apesar disso, tudo o que o homem faz, ele o faz
deliberadamente. Ele quer pecar, gosta de pecar, gloria-se em pecar. Não exerce
negativamente a sua vontade para pecar; o que ele não pode fazer é querer o bem
positivo, o bem espiritual. É incapaz disso, e aí está porque ele precisa “nascer
de novo” e ter nova natureza. Mas ele pode querer o mal, e sente prazer em
praticá-lo. O que ele não percebe é que ele se tornou incapaz de querer o bem e
de querer alguma coisa que esteja direcionada para a salvação. Ele não é livre
para isso. Filhos da desobediência, a prole da desobediência, a progênie da
desobediência! Há no universo uma mente má, e nós somos seu fruto. Esse é o
ensino bíblico. Acaso não é extraordinário que alguém que tem entendimento
nestas questões possa discutir isso por um momento que seja? O mundo atual está
simplesmente demonstrando e provando esta verdade. Os homens e as mulheres são
escravos do diabo, estão sob a escravidão do diabo; estão sob o poder e domínio
de satanás. (...)
Basta
para a primeira expressão, mas examinemos a segunda. Esta se acha no fim do
versículo três: “e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também”.
Destaco as palavras “por natureza”. Esta, obviamente, é uma expressão sumamente
importante. É isso que explica por que somos filhos da desobediência e por que
temos esta atitude particular com relação a Deus. O apóstolo a usa
primariamente aqui, na explicação do seu ensino de que estamos sob a ira de
Deus . Estamos sob a ira de Deus, diz ele, por natureza . Espero tratar disso
mais adiante. Agora quero mostrar que a expressão significa algo mais que
aquilo. Somos o que somos, em todos os aspectos, “por natureza”. Se vocês
preferirem outra tradução, poderiam usar em seu lugar a expressão “por
nascimento”, “e éramos por nascimento filhos da ira, como os outros também”.
Noutras
palavras, o ensino aqui é o mesmo ensino da Bíblia toda concernente ao homem em
pecado, ensino segundo o qual nascemos neste mundo com uma natureza
desobediente. Não nascemos com equilíbrio justo, com a possibilidade de ir por
este ou aquele caminho. Nascemos com forte inclinação unilateral . Davi o
expressa memoravelmente no Salmo cinqüenta e um, versículo cinco: “Eis que em
iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”. Que profunda peça
de auto-análise e de psicologia! Se vocês querem psicologia, vão às Escrituras.
Aí está um homem, Davi, examinando-se. Tinham-no feito lembrar-se do que ele
fizera, o adultério e o homicídio que se lhe seguiu . Ele é despertado e se
examina a si mesmo, e parece estar dizendo a si próprio: como pude fazer isso?
Como pode alguém fazer tal coisa? Que é que torna um homem capaz disso? Que
será? E, diz ele: há somente uma resposta, e é tão profunda como isto: em
iniqüidade fui formado – “formado” em iniqüidade - e “em pecado me concebeu
minha mãe”.
Esta
doutrina não é popular hoje. O homem em pecado jamais gostou dela. O que ele
gosta de dizer, naturalmente, é que todos nós nascemos neutros. Vejam aquela
criança, quão maravilhosa e perfeita! Bem, porque é que ela peca quando cresce?
Ora, dizem eles, vocês vêem aqui qual é o problema; é o mundo pecaminoso ao
qual ela vem: ela vê coisas más, vê maus hábitos, e aos poucos vai sendo
influenciada por eles. Dizem eles que com a criança tudo está bem, mas com o
ambiente não. Se tão-somente a criança fosse colocada num mundo perfeito, ela
permaneceria perfeita; entretanto, vem a um mundo imperfeito e vê e pega
hábitos, ouve falar e vê as coisas que as pessoas fazem, e gradativamente
assimila essas coisas e as pratica. É tudo questão de ambiente, mau exemplo, má
influência. Não, diz a Bíblia, não é não. Essa criança foi formada em
iniqüidade, e foi concebida e nasceu em pecado. Quando vimos a este mundo, a
nossa natureza já está corrompida. Herdamos uma natureza pecaminosa dos nossos
antepassados e dos nossos pais; começamos com isso. As tendências e os desejos
estão todos ali, e tudo o que o mundo faz é dar-nos um canal de escoamento. Há
dentro de nós uma rebelião, um desejo de ter as coisas proibidas. Isso aparece
logo no início. É uma das primeiras coisas que manifestamos, todos nós. Por
quê? Bem, “por natureza”.
Noutras
palavras, o defeito central surge neste ponto da seguinte maneira:
inclinamo-nos a pensar no pecado em termos de atos específicos da vontade; e
daí nos inclinamos a estar cegos para o fato de que somos pecadores
independentemente das nossas ações, de que o pecado está em nós e é parte
integrante da nossa natureza. Devemos livrar-nos da idéia de que tudo está bem
conosco enquanto não chega a tentação e caímos. Isso é verdade quanto a um
pecado, uma ação pecaminosa. Neste caso, eu exerci a minha vontade e fiz o que
não devia! Mas essa explicação não é completa. A real questão é esta: o que foi
que me levou a esta ação? A resposta é que foi “algo” que está dentro de mim.
Vejam as palavras do nosso Senhor, que falou disso uma vez por todas: “O que
contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o
que contamina o homem... Porque do coração procedem os maus pensamentos,
mortes, adultérios, prostituição...” e tudo o mais (Mateus 15:11,19). A
dificuldade está no coração do homem. É esta natureza decaída, pecaminosa. É o
que Paulo chama, no capítulo sete de Romanos “a lei do pecado que está nos meus
membros”; “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. Ela é
corrupta, é má, por natureza. “Somos por natureza filhos da ira, como os outros
também.”
Isso
é de vital importância. Se a outra teoria estiver certa e o homem nasce mais ou
menos neutro, e se os seus problemas forem causados pelo fato de que as coisas
más ou um mau ambiente o levam a extraviar-se, então, tudo o que você terá que
fazer é tratar do ambiente. E essa tem sido a filosofia dominante nos últimos
sessenta a setenta anos. Tem-se considerado o problema como sendo um problema
de educação, de moradia e de melhoria econômica, quase exclusivamente. Só
tínhamos que dar ao homem as condições certas, e dar-lhe o ambiente certo e o
conhecimento adequado, e ele estaria totalmente bem. No entanto, hoje em dia,
seguramente, temos que começar a compreender que a verdade não é essa, que isso
não funciona. Vocês podem dar ao homem as condições mais ideais, e ele irá mal.
Foi no Paraíso que o homem caiu! E se o homem, em suas perfeitas condições
originais, pôde cair em pecado, quanto mais o homem já decaído! Este é um
princípio que por si mesmo se demonstra em todas as relações humanas, em toda
parte. É uma lástima, mas o problema e a tragédia estão em um nível muito
profundo. A Bíblia não está sozinha neste ensino. Shakespeare o expôs de
maneira memorável: “O defeito caro Brutus, não está em nossas estrelas, mas em
nós, que somos desprezíveis.” “Por natureza”! Começamos com isso, com uma
tendência para o mal, tendo a vontade em escravidão, sob o domínio de satanás,
com cobiças e maus desejos, como veremos, já ali e esperando por uma
oportunidade para demonstrar-se e manifestar-se.
Passamos
a seguir à palavra muito importante “todos”. "Em que noutro tempo andastes
segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do
espírito que agora opera nos filhos da desobediência. “Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e
dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira” - e de novo ele o diz –
“como os outros também.” Ou, se vocês preferirem outra tradução – “como o
restante da humanidade”. “Todos”, é universal. Ora, isso é uma coisa
impressionante. Este ponto era muito apropriado para o argumento particular do
apóstolo precisamente aqui. Seu tema é, vocês se lembram, como Deus em Cristo,
na plenitude dos tempos, vai reunir as coisas em Cristo, “tanto as que estão
nos céus como as que estão na terra” . E diz o apóstolo que Ele já começou a
fazê-lo, No capítulo primeiro, versículo onze, ele afirma que alguns que são
judeus creram no evangelho e estão no reino. Ele prossegue, dizendo que alguns
que eram gentios também obtiveram herança. Aqui ele retoma o ponto – “E vos
vivificou”. Ele fez a mesma coisa com vocês, gentios. Mas seu grande desejo é
que ninguém pense que ele está dizendo estas coisas somente acerca dos gentios.
Não, “todos” nós andávamos nos desejos da nossa carne, “todos” nós éramos
filhos da ira, como os outros também. O que ele diz aqui sobre o homem em
pecado é verdade com relação ao judeu, como também com relação ao gentio.
Como
era difícil para o judeu acreditar nisso! Durante séculos ele tinha acreditado
que estava completamente separado: o judeu! Fora estavam os cães, os gentios,
os estrangeiros. Estes estavam fora da “comunidade de Israel”. O judeu era
filho de Deus, estava a salvo porque era judeu. Ele era totalmente justo e
melhor do que todos os outros que eram pecadores, os cães dos gentios, os quais
estavam fora. Como lhe era difícil aceitar uma doutrina que afirma que ele era
tão pecador como o gentio! Essa era a pedra de tropeço para o judeu; ele não
gostava disso. E esta classificação da humanidade ainda se vê em diferentes
formas e moldes. No entanto, aqui o apóstolo diz, “não somente os gentios”, mas
“também os judeus”. E vocês notam que até a si mesmo ele inclui. Tendo começado
com vós , agora diz “nós”. Essa é a verdade a respeito de Paulo, o apóstolo ! É
inimaginável, não é? Mas essa fora a tragédia da sua vida antes da sua
conversão. Como Saulo de Tarso, ele estava satisfeito com a sua vida; “segundo
a justiça que há na lei, irrepreensível” (Filipenses 3:6). E (em Romanos,
capítulo 7) ele nos conta como foi que veio a enxergar o seu erro. Foi quando
ele entendeu a lei, que dizia: “Não cobiçarás”. Então “reviveu o pecado, e eu
morri”. Quando se deu conta de que a lei dizia “você não pode desejar”, “você
não pode cobiçar”, ele viu o real significado da lei e viu que ele era um
terrível pecador. Escrevendo a Timóteo, ele diz: “Esta é uma palavra fiel, e
digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os
pecadores, dos quais eu sou o principal” (I Timóteo 1 : l 5). Ele se considera
o principal dos pecadores. “Todos nós também antes andávamos nos desejos da
nossa carne...”.
Esta
é a verdade com referência a “todos”. Todavia, as pessoas ainda são muito
lerdas para ver isso. Dizem elas: veja esta descrição do pecado que você faz
naqueles três versículos. É claro, diz o homem, que eu posso ver muito bem que
isso se aplica a certas pessoas. Eu ando pelas ruas e vejo aquele pobre bêbado,
e aquela mulher decaída. Vejo pecado em seus trapos e em seus vícios. Você está
totalmente certo no que diz com relação a tais pessoas e quando fala de uma
natureza má e das luxúrias da carne, das luxúrias da mente, e assim por diante.
Concordo plenamente com você. Mas nós não somos daquele tipo de gente. Porventura
não existe gente boa, de boa moral, e decente, gente íntegra e religiosa? Você
está falando isso dessa gente? A resposta do apóstolo Paulo é “todos”, “como os
outros também”; toda a humanidade, sem uma única exceção. Todos fomos formados
em iniqüidade, concebidos em pecado. “Todos” nós temos esta natureza
pecaminosa.
O
erro fatal é pensar no pecado sempre em termos de atos e ações, e não em termos
de natureza e de disposição. O erro está em pensar nele em termos de coisas
particulares em vez de pensar nele, como devíamos, em termos de nossa relação
com Deus. Vocês querem saber o que é o pecado? Eu lhes direi. Pecado é
exatamente o oposto da atitude e da vida que se enquadram em, “Amarás ao Senhor
teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas
forças, e de todo o teu entendimento”. Se você não está fazendo isso, você é um
pecador. Não importa quão respeitável você seja; se você não está vivendo inteiramente
para a glória de Deus, você é um pecador. E quanto mais você imaginar que é perfeito
em si mesmo e independentemente de sua relação com Deus; maior será o seu
pecado. É por isso que qualquer um que leia o Novo Testamento objetivamente
poderá ver claramente que os fariseus dos tempos do nosso Senhor eram maiores
pecadores (se se pode empregar tais termos) do que os publicanos e os pecadores
declarados. Por quê? Porque eles se davam por satisfeitos consigo mesmos,
porque eram auto-suficientes. O cúmulo do pecado é a pessoa não sentir
necessidade da graça de Deus. Não existe pecado maior do que esse. Infimamente
pior do que cometer algum pecado da carne é você achar que é independente de
Deus, ou achar que Cristo jamais precisou morrer na cruz do Calvário. Não há
maior pecado do que esse. A auto-suficiência final, a auto-satisfação final e a
justiça própria, é o pecado dos pecados; é o cúmulo do pecado, porque é pecado
espiritual. Assim, quando você chega a compreender isso, passa a compreender
que o apóstolo não está exagerando quando diz “todos nós”, “como os outros
também”.
Esse
é o homem em pecado, e é verdade universal . Há somente uma explicação adequada
disso. É a que nos é dada no começo do livro de Gênesis. É a doutrina bíblica
da Queda e do pecado original . Não se pode compreender o mundo moderno à parte
da doutrina do pecado original. Tudo aconteceu da seguinte maneira: um homem,
Adão, o representante da humanidade, pecou, rebelou-se e caiu. E as
conseqüências passaram a toda a sua progênie. Eu os desafio a explicarem a
universalidade do pecado em quaisquer outros termos. Simplesmente não se pode
fazer isso. Todas as outras teorias caem por terra. É por isso que temos que
crer nos primeiros capítulos de Gênesis, se é que devemos crer no Novo Testamento.
Sem isso não se pode ter uma verdadeira doutrina da salvação. As duas coisas
vão juntas, como Paulo o prova no capitulo cinco da Epístola aos Romanos e de
novo, e exatamente da mesma maneira, no capítulo quinze da Primeira Epístola
aos Coríntios. Esse é o problema do homem; e é por isso que o homem é como é.
Adão caiu, Adão pecou; e o resultado é que toda a semente de Adão nasce em
corrupção, com uma natureza corrupta. É universal, acontece em toda parte. E'
isso que “estabelece o parentesco do mundo inteiro”; é isso que torna absurdas
todas as suas “cortinas”, todas as suas barreiras de cor e todas as suas
filosofias. Nisso o mundo inteiro é um só. Todos nós estamos em pecado, somos
filhos da desobediência, herdeiros de uma natureza decaída que se expressa e se
manifesta da maneira como iremos considerar – “nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”, estando pois, sob a ira de Deus
e completamente desamparados.
Deixo
o assunto nesta altura, porque estou pregando com a suposição de que me estou
dirigindo a cristãos. Mas se eu estivesse pregando isto a um auditório misto,
não pararia aí, não me atreveria a parar aí. Eu continuaria, dizendo: “Mas,
quando estávamos nesta situação, em Sua infinita graça e amor e misericórdia,
Deus nos vivificou”. Nada menos que isso poderia fazê-lo. Que outra coisa mais
poderia tratar do homem em tais condições? Nada menos que o soberano poder de
Deus – o poder que, como Paulo dissera ao final do capítulo primeiro, fez o
Senhor Jesus ressuscitar dentre os mortos e O elevou e O colocou “à sua direita
nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de
todo o nome que se nomeia”. Nada menos que o poder de Deus pode resgatar e
redimir e salvar o homem. Entretanto, Ele o fez em Cristo. E nós, que somos
cristãos, fomos levantados daquela terrível condição em que estivéramos
outrora, unicamente por causa da Sua maravilhosa graça.
Nota:
Extraído, com permissão, do livro “Reconciliação: Método de Deus” - Exposição
sobre Efésios 2 - Editora PES
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