Deus enviou seu filho
para nos salvar
J. I. Packer
Teologia concisa;
síntese dos fundamentos históricos da fé cristã (São Paulo: Cultura Cristã,
1999), pp. 98-101.
“E o Verbo se fez carne e habitou
entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do
unigênito do Pai.” (Jo 1.14)
A trindade e a Encarnação são
temas que se relacionam. A doutrina da Trindade declara que o homem Jesus é
verdadeiramente divino; a da Encarnação declara que o divino Jesus é
verdadeiramente humano. Juntas, elas proclamam a plena realidade do Salvador
que o Novo Testamento apresenta, o Filho que veio da parte do Pai, pela vontade
do Pai, para tornar-se o substituto do pecador sobre a cruz (Mt. 20.28;
26.36-46; Jo. 1. 29; 3. 13-17;
Rm. 5.8; 8.32; II Co. 5. 19-21; 8.9; Fp. 2. 5-8).
O momento decisivo sobre a
doutrina da Trindade ocorreu no Concílio de Nicéia (325 d.C.), quando a igreja
rejeitou a idéia ariana de que Jesus era a primeira e mais nobre criatura de
Deus, e afirmou que Ele era da mesma "substância" ou
"essência" (isto é, a mesma entidade existente) do Pai. Assim, há
somente um Deus, não dois; a distância entre Pai e Filho está dentro da unidade
divina, e o Filho é Deus no mesmo está dentro da unidade divina, e o Filho é
Deus no mesmo sentido em que o Pai o é. Dizendo que o Filho e o Pai são
"de uma substância", e que o Filho é "gerado" ("único
gerado, ou unigênito", João 1. 14,18; 3. 16,18, e notas ao texto da NVI),
mas "não feito", o Credo Niceno inequivocamente reconhece a deidade
do homem da Galiléia.
Um evento crucial para a
confissão da doutrina da Encarnação aconteceu no Concílio de Calcedônia (451
d.C.), quando a igreja rejeitou tanto a idéia nestoriana de que Jesus era duas
personalidades – o Filho de Deus e um homem – sob a mesma pele, como a idéia
eutiquianista de que a divindade de Jesus tinha absorvido sua humanidade.
Rejeitando ambos, o concílio afirmou que Jesus é uma pessoa divino-humana em
duas naturezas (isto é, dois conjuntos de capacidades para a experiência,
expressão, reação e ação); e que as duas naturezas são unidas em seu ser
pessoal, sem mistura, confusão, separação ou divisão; e que cada natureza retém
seus próprios atributos. Em outras palavras, todas as qualidades e poderes que
estão em Deus, estavam, estão e sempre estarão real e distintamente presentes
na pessoa do homem da Galiléia. Assim, a fórmula calcedônia afirma, em termos
categóricos, a plena humanidde do Senhor (nascido homem pela ação divina).
A Encarnação, este milagre
misterioso no coração do Cristianismo histórico, é o ponto central do
testemunho do Novo Testamento. É surpreendente que os judeus tenham chegado a
aceitar tal crença. Oito dos nove escritores do Novo Testamento, como os
discípulos originais de Jesus, eram judeus instruídos no axioma judaico de que
há somente um Deus e nenhum homem é divino. Todos eles, no entanto, ensinam que
Jesus é o Messias de Deus, o filho de Davi ungido pelo Espírito prometido no
Velho Testamento (por exemplo, Is. 11. 1-5; Christos, "Cristo", é a
palavra grega para Messias). Todos eles o apresentam em um tríplice papel de
mestre, portador de pecados (dos seres humanos) e governante – profeta,
sacerdote e rei. E, em outras palavras, todos insistem que Jesus o Messias deve
ser pessoalmente adorado e crido – o que significa dizer que Ele é Deus não
menos do que é homem. Observe-se como os quatro mais habilitados teólogos do
Novo Testamento (João, Paulo, o escritor de Hebreus e Pedro) falam sobre isto.
O Evangelho de João emoldura as
narrativas do testemunho visual do escritor (Jo. 1.14; 19.35; 21.24) com as
declarações de seu prólogo (1. 1-18): que Jesus é o eterno Logos (Palavra)
divino, agente da Criação e fonte de toda vida e luz (vv. 1-5,9), que,
tornando-se "carne", foi revelado como Filho de Deus e fonte de graça
e verdade, naturalmente como "o unigênito de Deus" (vv. 14,18; notas
de texto da NVI). O evangelho é pródigo em declarações "Eu sou", que
têm significação especial porque "Eu sou" (grego: ego eimi)
foi usado para traduzir o nome de Deus na tradução grega de Êxodo 3.14; toda
vez que João se refere a Jesus dizendo ego eimi, está implícita uma
alegação de divindade. Exemplos disto são João 8. 28,58, e as sete declarações
de sua graça como (a) o Pão da Vida, dando alimento espiritual (6. 35, 48, 51);
(b) a Luz do Mundo, banindo a escuridão (8.12; 9.5); (c) a porta das ovelhas,
dando acesso a Deus (10.7,9); (d) o Bom Pastor, protegendo do perigo
(10.11,14); (e) a Ressurreição e a Vida, dominando nossa morte (11.25); (f) o
Caminho, a Verdade e a Vida, guiando à comunhão com o Pai (14.6); (g) a Videira
verdadeira, nutrindo a fertilidade (15.1,5). Tomé, com intensa emoção, adora a
Jesus como "Senhor meu e Deus meu!" (20.28). Jesus então pronuncia
uma bênção sobre todos os que compartilham a fé de Tomé, e João insta seus
leitores a juntarem-se a eles (20. 29-31).
Paulo cita o que parece ser um
hino que declara a divindade pessoal de Jesus (Fp. 2.6); declara que "nele
habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Cl. 2.9; cf. 1.19); aclama
Jesus o Filho como a imagem do Pai e seu agente na criação e manutenção de
todas as coisas (Cl. 1.15-17); declara ser Ele "Senhor" (um título de
realeza, com nuanças divinas), a quem se deve rogar por salvação de acordo com
a prescrição para invocar Yahweh em Joel 2.32 (Rm. 10. 9-13); chama-lhe
"Deus sobre todos" (Rm. 9.5) e "Deus e Salvador"(Tt. 2.13);
e faz preces diretamente a Ele (II Co. 12.8,9), olhando para Ele como fonte da
graça divina (II Co. 13.13). O testemunho é explícito: a fé na divindade de
Jesus é fundamental para a teologia e religião de Paulo.
O escritor da carta aos Hebreus,
pretendendo expor a perfeição do sumo sacerdócio de Cristo, começa declarando a
plena divindade e conseqüente única dignidade do Filho de Deus (Hb. 1.
3,6,8-12), cuja plena humanidade ele então celebra no capítulo 2. A perfeição,
e certamente a própria possibilidade, do sumo sacerdócio que ele assinala
cumprido por Cristo depende da união de uma vida divina infindável e infalível
com uma experiência humana plena de tentação, aflição e sofrimento (Hb. 2.
14-17; 4. 14-5. 2; 7.13-28; 12-2,3).
Não menos significativo é o uso
que Pedro faz de Isaías 8. 12,13 (I Pe. 3.14). Ele cita a versão grega (dos
Setenta), estimulando as igrejas a não temerem o que outros temem, mas a
santificarem o Senhor. Onde, porém, o texto de Isaías diz, "a Ele (Senhor
dos Exércitos) santificai", Pedro escreve, "santificai a Cristo, como
Senhor" (I Pd. 3.15). Pedro tributaria a adoração em temor devida ao
Todo-Poderoso a Jesus de Nazaré, seu Mestre e Senhor.
O Novo Testamento proíbe a
adoração de anjos (Cl. 2.18; Ap. 22.8,9), mas ordena a adoração de Jesus e
focaliza consistentemente o divino-humano Salvador e Senhor como o permanente
objeto próprio da fé, esperança e amor, aqui e agora. A religião a que faltam
estas ênfases não é Cristianismo. Que não haja nenhum engano sobre isto!
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