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sábado, 21 de junho de 2014

DUAS NATUREZAS


J. I. Packer
Jesus Cristo é inteiramente humano

Teologia concisa; síntese dos fundamentos históricos da fé cristã (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), pp. 102-104.

“Muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo”. (2Jo 7)

Jesus foi um homem que convenceu os que estavam próximos dele de que Ele era também Deus; portanto, sua condição humana não está em dúvida. A condenação de João daqueles que negavam que "Jesus Cristo veio em carne" (I Jo. 4.2,3; II Jo. 7) visava aos docetas [partidários do docetismo, doutrina gnóstica do segundo século desta era], que substituíram a Encarnação pela idéia de que Jesus foi um visitante sobrenatural (não Deus), que parecia humano, mas era realmente uma espécie de fantasma, um mestre que, na realidade, não morre pelos pecados.

Os Evangelhos mostram Jesus experimentando as limitações humanas (fome, Mt. 4.2; Jo. 4.6; ignorância de um fato, Lc. 8. 45-47) e sofrimento humano (choro junto ao túmulo de Lázaro, Jo. 11. 35,38; agonia no Getsêmani, Mc. 14. 32-42; cf. Lc. 12.50; Hb. 5. 7-10; e sofrimento na cruz). Hebreus enfatiza que, se Ele não tivesse experimentado as aflições humanas – fraqueza, tentação, sofrimento – Ele não estaria qualificado para ajudar-nos quando passamos por essas coisas (Hb. 2.17, 18; 4. 15,16; 5. 2,7-9). Nestas circunstâncias, sua experiência humana é de modo a garantir que, em qualquer momento de pretensão ou premência em nossa relação e caminhada com Deus, podemos ir a Ele, confiantes de que de alguma maneira Ele esteve lá antes de nós, sendo assim o ajudador de que necessitamos.


Os cristãos, focalizando a divindade de Jesus, têm às vezes pensado que minimizar sua humanidade é honrá-lo. A primitiva heresia do monofisismo (a idéia de que Jesus tinha somente uma natureza) expressava esta suposição, como fazem as modernas deduções de que Ele apenas fingiu ser ignorante de fatos (na suposição de que Ele utilizava sua onisciência e, portanto, estava ciente de todas as coisas), e estar com fome e cansado (na suposição de que sua divindade sobrenaturalmente nutria de forças sua humanidade todo o tempo, colocando-o acima das demandas da existência comum). Mas a Encarnação significa, antes, que o Filho de Deus viveu sua vida divino-humana em e através de sua mente e corpo humanos em todos os aspectos, maximizando sua identificação e empatia com aqueles que Ele viera salvar, e lançando mão dos recursos divinos para transcender os limites humanos de conhecimento e energia somente quando exigências particulares da vontade do Pai assim o requeressem.

A idéia de que as duas naturezas de Jesus eram como circuitos elétricos alternados, de sorte que algumas vezes Ele agia em sua humanidade e algumas vezes em sua divindade, é também equivocada. Ele realizou e suportou todas as coisas, incluindo seus sofrimentos na cruz, na unidade de sua pessoa divino-humana (isto é, como o Filho de Deus que havia tomado para si todos os poderes humanos de agir, reagir e experimentar, em sua forma não decaída). Dizer isto não contradiz a impassibilidde divina, pois impassibilidade não significa que Deus nunca experimentou angústia, mas que o que Ele experimenta, angústia inclusive, é experimentado por sua própria vontade e por sua própria decisão predeterminada.

Jesus, sendo divino, era impecável (não podia pecar), mas isto não quer dizer que Ele não podia ser tentado. Satanás tentou-o a desobedecer ao Pai por auto gratificação, auto exibição e auto glorificação (Mt. 4. 1-11), e a tentação para recuar da cruz foi constante (Lc. 22.28; Mt. 16.23; e a oração de Jesus no Getsêmani). Sendo humano, Jesus não podia vencer a tentação sem luta, mas, sendo divino, era sua natureza fazer a vontade do Pai (Jo. 5. 19,30) e, portanto, resistir e lutar contra a tentação até vencê-la. Do Getsêmani podemos inferir que suas lutas foram bem mais agudas e agônicas do que qualquer outra que possamos imaginar. O final feliz resultante é que "naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados" (Hb. 2.18). 


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