C. J. Mahaney
Fazer mais do que definir e
brevemente esboçar os conceitos associados com idolatria, é impossível,
considerando as páginas disponíveis desta revista. Contudo, é vital que façamos
assim, porque idolatria é o problema tratado com mais freqüência nas
Escrituras. Seguramente podemos concluir disto, que idolatria é nosso problema
mais predominante.
Os expressivos retratos de
idolatria das Escrituras - o bezerro de ouro de Arão (Ex.32), o roubo de Raquel
dos ídolos do lar de seu pai (Gn. 31) e a exposição vívida de Isaías do absurdo
da adoração de ídolo (Is. 44:13-20), por exemplo - tratam de pecados que estão
tão presentes em nossos corações, quanto estavam nos dos pagãos e dos
adoradores do demônio no Velho Testamento. Sempre que depositamos qualquer
porção de nossa confiança, não importando quão pequena, em algo que não seja o
próprio Deus, você e eu cometemos atos de idolatria exatamente tão sérios
quanto se dobrar diante de uma imagem de madeira grosseiramente talhada. Portanto,
idolatria, de um ou de outro tipo, precede cada um de nossos incontáveis
pecados.
Trataremos deste tópico, não com
o propósito de condenação (a condenação foi abolida para o cristão, graças a
completa obra de Cristo), mas para iluminação: um entendimento claro da
verdadeira natureza e penetração de nosso própria idolatria. Também
procuraremos a definitiva, inegável mudança que se torna possível pela graça de
Deus, quando nos conscientizamos da profundidade da nossa inerente propensão
para o pecado e depois, em total contraste, da estatura da santidade de Deus.
IDOLATRIA NO SÉCULO 20
"O coração humano é uma
fábrica de ídolos", escreveu Calvino. "Cada um de nós é, desde o
ventre materno, experto em inventar ídolos". De fato, diariamente
enfrentamos tentações para criar novos ídolos, nos quais depositarmos nossa
esperança. Esta esperança e confiança, em qualquer outra coisa, que não Deus, é
a essência da idolatria. Ken Sande escreve: "Em termos bíblicos, um ídolo
é alguma outra coisa, que não Deus, na qual empregamos nosso coração (Lc.12:29,
1 Co. 10:6), que nos motiva (1 Co. 4:5), que nos controla ou governa (Sl.
119:133), ou a qual servimos (Mt. 6:24)". Como Richard Keyes salienta,
idolatria é extremamente sutil e penetrante: "Toda sorte de coisas são ídolos
em potencial, dependendo somente, das nossas atitudes e ações concernentes a
elas... Idolatria pode não envolver negações explícitas da existência de Deus
ou de Seu caráter. Ela pode vir também, na forma de um afeto excessivo a algo
que é, em si mesmo, perfeitamente lícito... Um ídolo pode ser um objeto físico,
uma propriedade, uma pessoa, uma atividade, uma posição, uma instituição, uma
esperança, uma imagem, uma idéia, um prazer, um herói, qualquer coisa que possa
substituir Deus".
Aqui está João Calvino, de novo:
"O mal em nosso desejo, caracteristicamente não repousa no que queremos,
mas em o querermos muito".
Quando um desejo, mesmo por algo
não naturalmente mal em si mesmo, se torna um ídolo? Como posso determinar se
eu quero alguma coisa exageradamente? Não é difícil de saber.
Faça a si mesmo, as seguintes
perguntas: Porque eu quero isto?; qual será minha reação se eu não conseguir o
que quero?; e se eu conseguir, mas me for tomado?; em resumo, qual é o proveito
do meu desejo?; se ele me é negado, o que acontece no meu coração? continuarei,
apaixonadamente, a procurar conformidade com Cristo ou me cercarei de
auto-piedade, amargura, malevolência ou queixumes (os quais, no fim das contas,
são direcionados a Deus)?
O que ocorre no seu coração quando
você não é reconhecido por algum serviço no âmbito de dons? quando lhe negam
uma certa posição? quando você é substituído? o que ocorre no seu coração em um
conflito de relacionamento?
Como é que nossas reações
pecaminosas aos testes de caráter diários e comuns, são, na verdade, antes atos
de adoração e obediência direcionados a ídolos, do que a Deus? Muito simples;
porque Deus nos ordenou, nas Escrituras, a confiar nEle, o Único Soberano, como
fonte suprema da realização de
todas as coisas.
Quando um desejo não realizado me
tenta, com êxito, a cometer qualquer pecado, seja de discórdia, amargura ou
raiva, eu demonstro que estive confiando na realização daquele desejo para
alcançar minhas necessidades, ao invés de confiar em Deus. Que estive agindo sobre
minha, agora exposta, crença de que eu sei, melhor que Deus, o que é bom para
mim. Que nesta área da minha vida, eu destronei Deus e coloquei, no Seu lugar,
um ídolo feito por mim e este ídolo, nada mais é do que uma manifestação de uma
faceta da minha própria
natureza pecaminosa, que se auto
glorifica e deifica. Eu substitui o Deus que eu professo, por um falso deus, um
deus funcional, um que só pode me prejudicar.
OS MEIOS DE IDENTIFICAR IDOLATRIA
1) As Escrituras.
Em alguns aspectos, idolatria é como
qualquer outro pecado: sua fonte é sempre nosso próprio coração (Ez.14:1-7;
Tg.1:14). Além do mais, o meio definitivo de identificação é sempre as
Escrituras (Hb. 4:12-13). Devemos considerar o que as Escrituras dizem a
respeito da idolatria com a maior seriedade. Não é por acaso que o primeiro
mandamento dado ao povo de Deus foi "Não terás outros deuses diante de
mim" (Ex. 20:3). No Novo Testamento, o termo idolatria especifica, mais
comumente, paixão lascívia, desejos carnais, cobiça, etc.
2) O Espírito Santo.
Um segundo meio de identificar
idolatria é a convicção do Espírito Santo enquanto perscruta o coração e
identifica uma área de idolatria que ainda temos de tratar adequadamente.
Examinarmos a nós mesmos não é encorajado nas Escrituras; nós nos enganamos
muito facilmente. "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?" (Jr. 17:9). Precisamos
clamar a Deus que nos perscrute e depois, buscarmos ser perceptivos,
responsivos e arrependidos, conforme Ele nos revela nosso próprio coração. Nós
necessitamos, desesperadamente, da obra persuasiva e iluminadora do Espírito
Santo.
3) Um dos outros.
Em terceiro lugar, devemos estar
prontos para sermos confrontados por outros, em amor, em condições de identificar
e definir nossos ídolos do coração como descritos pelas Escrituras. "Os
puritanos sabiam que homens pecadores são demorados em aplicar a verdade a si
mesmos", J. I. Packer nos
diz, "ainda que rápidos para ver como ela se aplica aos outros".
Evitemos esta atitude e, ao invés dela, busquemos, conscientemente, a correção
uns dos outros, que Deus deseja que recebamos.
Muitas mudanças significativas na
minha vida cristã, ocorreram, não quando estava sozinho e empenhado no meu
período devocional, mas quando outros foram mandados por Deus, como meio de
graça para mim; mais freqüentemente quando minha esposa, ou outro líder com o
qual eu sirvo, mostram áreas de pecado na minha vida que são óbvias para eles.
É assustador quão claro meu
pecado pode ser para uma outra pessoa, e quão totalmente esquecido eu posso ser
quanto ao que se esconde no meu coração.
Recentemente, dois pastores do Covenant
Life Church, procuraram corrigir-me sobre um problema que era claro para
eles, mas, infelizmente, não para mim. Não houve falha na comunicação deles.
Eles falaram com clareza e precisão, repetidamente, na verdade. Não havia
dúvida quanto o significado de suas palavras. Ainda assim, eu não pude ver,
absolutamente, como o pecado particular que eles estavam descrevendo, se
aplicava a mim.
Reconheci daquele encontro que,
embora o discernimento de outros é freqüentemente necessário, nunca é
suficiente. O Espírito Santo e as Escrituras devem ainda acionar a chave que
confirma o que foi dito. Embora eu fosse lento em perceber o pecado que eles
descreviam, eu sou profundamente grato pela amizade e paciência destes homens e
pela obra do Espírito Santo através daquela interação.
4) Conflitos de relacionamento.
Tiago 4:1-12 trata dos ídolos
revelados através dos conflitos de relacionamento. Nos fala que tais desavenças
revelam cobiças e anseios. Freqüentemente experimentamos alguns destes
antagonismos quando alguma relação falha em atender nossas expectativas ou esperanças.
Numa relação particular, posso desejar, por exemplo, um certo nível de respeito,
ou grau de compromisso ou investimento de tempo que a outra pessoa não pode ou
não irá prover. Qualquer reação pecaminosa que eu faça em relação a esta
deficiência, é um sinal
claro que meu desejo tornou-se um
ídolo.
5) Circunstâncias.
Circunstâncias podem revelar os
ídolos do nosso coração através de testes que vem de duas maneiras: adversidade
ou prosperidade. Os testes de adversidade podem ser os mais óbvios, mas os de
prosperidade podem ser, com freqüência, os mais difíceis (leia o livro de
Tiago).
Como John Owen observou, alguns
dos mais horrendos pecados cometidos por alguns dos mais santos na história,
foram praticados não em período de adversidade mas de prosperidade. Pior que
isto, aqueles pecados foram cometidos depois de anos de fidelidade através de
adversidades, sofrimentos e perseguições num grau que não podemos começar a
relatar. Homens como Davi, Noé, Ezequias pecaram mais gravemente em períodos de
prosperidade.
6) Dor.
Dor excessiva é outra área que
pode revelar idolatria. Não podemos negar a realidade da dor física ou
psicológica, ou as lutas ou tentações associadas com o fato de sermos pecadores.
Mas, quando a reação de dor é excessiva ou distorcida, ela pode revelar a
presença de um ídolo.
7) Modo de falar.
Vamos observar também, como nos
comunicamos. É tão fácil usarmos termos extremos tais como: "Ele me
corrigiu e eu fiquei arrasado". Por quê? É hora de perguntar a você mesmo:
"Que ídolo meu coração está criando que me arrasaria por uma palavra de
correção destinada para o meu bem?" (Se você não está arrasado, mas usou a
palavra, conhecendo seu verdadeiro significado, então porque você busca receber
mais atenção do que a situação permite?)
8) Comportamentos corrompidos.
"Fazei pois, morrer a vossa
natureza terrena: prostituição, impureza, paixão lascívia, desejo maligno, e a
avareza, que é idolatria". Aqui, as Escrituras não poderiam ser mais
claras. Certos comportamentos são sempre idolátricos.
A CONSEQUÊNCIA DA IDENTIFICAÇÃO
DA IDOLATRIA
O que ocorre quando, pela
misericórdia de Deus, chegamos a um entendimento bíblico de nossa própria
idolatria?
Gostaria de ter muitas mais
páginas para tentar responder a esta pergunta. Mas deixe-me tentar motivá-lo,
com poucos fundamentos, sobre o que o estudo e aplicação destas verdades pode
prover.
Quando identificamos a
profundidade de nossa própria idolatria, e também vemos a solução perfeita e
completamente suficiente para este problema, na pessoa e obra de Cristo, muitas
doutrinas essenciais das Escrituras subitamente adquirem nova clareza. O abismo
que percebemos entre nossa depravação e a santidade de Deus, cresce a
proporções imensuráveis - um abismo intransponível a não ser pelo infinitamente
grande sacrifício de Cristo. Obtemos uma apreciação imensamente ampla da
grandeza da graça de Deus e do próprio Evangelho. Ficamos sob forte convicção
de pecado e experimentamos forte perdão. A medida que nos arrependemos e
buscamos deixar nossos ídolos, crescemos em santidade e humildade. Nossa paixão
por Deus aumenta.
Passamos a entender porque João,
o apóstolo amado, termina sua primeira epístola com este apelo sincero:
"Filhinhos, guardai-vos dos ídolos".
C. J. Mahaney é líder do PDI (Proclaiming
God’s Grace, Developing Local Churches, Influencing Our World
with the Gospel) e pastor senior da Covenant Life Church em
Gaithersburg, Maryland.
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