Rev. Paulo Anglada
A doutrina reformada da perseverança dos santos é
inferida:
Das
demais doutrinas da graça e dos atributos divinos
Aqueles que reconhecem a
corrupção do coração humano em conseqüência da queda (a depravação total) têm
que aceitar que a salvação vem do Senhor, o qual é soberano para salvar
(eleição incondicional). E se a salvação provém da eleição soberana, estes
também têm necessariamente que crer na morte expiatória de Cristo na cruz pelos
eleitos (eleição limitada). Estes, por sua vez, precisam admitir a soberania do
Espírito Santo em aplicar a obra da redenção aos que foram redimidos por
Cristo, chamando-os irresistivelmente para a salvação (graça eficaz). E, se
qualquer uma dessas doutrinas for aceita como verdadeira, tem-se que admitir
que a salvação dessas pessoas indubitavelmente se consumará. Uma doutrina leva
inevitavelmente à outra, não apenas dentro da lógica humana, mas na própria
lógica bíblica, conforma Romanos 8.29-30. Se o homem não pode salvar-se, e se
Deus determinou salvar incondicionalmente alguns, ninguém poderá conceber que
os propósitos de Deus não consumam e Seus desígnios sejam frustrados, sem negar
os atributos divinos da soberania, onisciência, onipotência, imutabilidade etc.
Se Deus é Deus, a obra de salvação planejada, efetuada e aplicada soberana e
graciosamente será consumada (concluída) – também graciosa e soberanamente –
para o louvor da glória da Sua graça.
Da
natureza da transformação decorrente da salvação.
Quando a obra redentora de Cristo é aplicada ao coração dos eleitos
pelo Espírito de Deus, a transformação é tão grande, tão radical e profunda,
que é descrita na Bíblia como regeneração. O homem nasce de novo, é
feito nova criatura. Não se trata de uma transformação superficial, mas
essencial. Uma nova natureza lhe é infundida, a natureza de Cristo, de modo que
ele se torna co-participante da natureza divina. Torna-se um com Cristo, fazendo
parte do Seu corpo e da Sua carne (uma união mística do crente com Cristo). Não
se trata de mera decisão humana, ou de submissão, mas de uma transformação
radical. Um transplante espiritual de coração é realizado: o Espírito Santo
retira o corrompido coração de pedra, e implanta um coração completamente novo.
E nessa operação não há possibilidade de rejeição. Ninguém, nem o diabo, pode
reverter esta cirurgia espiritual tão bem sucedida, pois nosso velho e
depravado coração foi destruído por Deus depois de extraído. Além disso, não se
pode conceber nenhuma falha da parte do cirurgião – e o sucesso da operação
depende exclusivamente dEle. Não existe tal coisa como “desregeneração”. Não se
pode conceber, biblicamente, um retorno do estado de graça para o estado de pecado.
O corpo de Cristo não pode ser mutilado, sendo-lhe arrancado alguns de seus
membros. A união mística do crente com Cristo é de tal ordem que quando Ele
morreu, nós morremos com Ele; quando Ele ressuscitou, nós ressuscitamos juntos
(Rm 6); e quando foi assunto aos céus, nós também o fomos nEle, visto que “nos
fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2.6). Como pode tal
obra ser revertida? É impossível.
Da liberdade cristã com relação à lei.
As Escrituras ensinam claramente que o homem em estado de
graça está total e irrevogavelmente livre da condenação que e lei acarreta. Os
salvos não mais estão debaixo da lei, e sim da graça, afirma o apóstolo Paulo,
em Romanos 6.14. Legalmente, “morrestes relativamente à lei, por meio do corpo
de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os
mortos...” (Rm 7.4). Assim, “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te
livrou da lei do pecado e da morte” (Rm 8.1,2). O que se pode concluir desses textos
é que a transgressão da lei de Deus pode acarretar outras coisas ao crente, mas
nunca a condenação. O salvo não mais está sujeito à maldição da lei. A lei não
tem mais efeito condenatório para ele, pois não mais está sob seu sistema, mas
sob o sistema da graça. Como, então, o crente poderia cair do estado de graça,
e ser novamente condenado pela lei, da qual foi liberto gratuitamente pela
graça eficaz de Deus? Impossível. “Agora, pois, nenhuma condenação há para os
que estão em Cristo Jesus”.
Da imutabilidade do amor de Deus.
O que os
arminianos precisam ver com mais clareza é a natureza da salvação que há em
Cristo Jesus. Ela não provém das obras, não se fundamenta em qualquer virtude
humana; mas provém do amor eterno e imutável de Deus. Se a salvação fosse por
obras de justiça nossa, seria natural que sua continuidade dependesse de nós.
Mas a nossa salvação fundamenta-se exclusivamente no amor do Senhor. Ele nos
amou quando ainda éramos pecadores; Ele nos amou primeiro. “... em amor nos
predestinou para Ele, para a adoção de filhos,... segundo o beneplácito da sua
vontade” (Ef 1.5). Esta é a base da nossa salvação: o amor eterno e imutável de
Deus. Com amor eterno Ele nos amou (Jr 31.3). O amor de Deus não é sentimento
efêmero, mas uma determinação eterna da Sua soberana vontade. E se Seu amor não
foi motivado por qualquer virtude que houvesse em nós, por que a continuidade
desse amor seria? Se o amor dos pais pelos filhos não se fundamenta nas
virtudes destes, mas se manifesta apesar dos muitos defeitos e erros deles
(quando isso não ocorre é uma anomalia, o pecado da falta de afeição natural),
por que o gracioso, soberano e eterno amor de Deus dependeria das nossas
virtudes? A maior prova de que o amor de Deus pelos Seus eleitos não terá fim é
que não teve começo – é eterno. Duvidar da eternidade da salvação é duvidar dos
propósitos e do amor de Deus, dos méritos e da intercessão de Cristo, e do poder
e da sabedoria do Espírito Santo.
Paulo Anglada, Calvinismo: As Antigas Doutrinas da Graça (São Paulo: Os Puritanos).
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